sexta-feira, 10 de julho de 2009

SINGELA HOMENAGEM


CARTA A JOSEFA, MINHA AVÓ
texto de José Saramago
Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo - e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas, deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água.
Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los.
Contaste-nos histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira - sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.
Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto vives e vais vivendo.
És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinhança. Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste a lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietnam é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de palmo.
Da fome, sabes alguma coisa. Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e alegre és. Como tu, não vi rir ninguém.
Estou diante de ti e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não cuidaste de saber onde é o mundo. Chegas ao fim da vida e o mundo ainda é para ti, o que era quando nasceste : uma interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não fazia parte da tua herança. (...)
Mas porquê, avó, porque te sentas na soleira da porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida : "O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer."

AVÓ ADÉLIA


A "minha avó Adélia", como eu sempre a chamava ,já não se encontra entre nós há quase 4 anos... Que saudades !...
No próximo dia 17 Julho, comemoraria 100 anos. Todos os seus netos e os seus filhos far-lhe-iam uma festa. Penso que os que se encontram mais distantes, na França, tudo fariam para estar presentes nesta ocasião. A TV estaria presente, talvez (não era, Primo Rui ?)
Mas ela sempre disse que não chegaria lá ... e eu dizia-lhe que sim.
Pois é, querida avó Adélia, mas no meu pensamento continua presente, enquanto eu viver pensarei em si e falarei de si a toda a gente . Pediu-me uma vez para "não me esquecer de si". Como poderia esquecer-me. COMO ???
Esta é uma singela homenagem a uma GRANDE MULHER, UMA GRANDE SENHORA, UMA GRANDE AVÓ.
No céu, no infinito, nos meus sonhos, noutros planos de vida, não tenho dúvidas nenhumas de que nos encontramos algumas vezes e conversamos como antigamente.
Até lá!
Mil beijinhos
da neta que nunca a esquecerá